Do início ao fim de qualquer uma das rotas que compõe o chamado Caminho de Santiago, por incontáveis vezes peregrinos usam a expressão “Buen Camino” de maneira entusiasmada, para cumprimentar uns aos outros, no momento em que se cruzam ou quando se despedem. A resposta apropriada à saudação é a simples repetição dela, como um eco.
Buen Camino significa, literalmente, “bom caminho” e é a forma mais simples e intercultural de desejar uma boa jornada aos companheiros de peregrinação, mesmo que você não fale a mesma língua deles.
Alguns comerciantes e moradores locais também costumam saudar os peregrinos com a amigável expressão. Neste caso, um “gracias” é mais indicado como resposta.
Mas nem sempre foi assim. Por centenas de anos, a saudação mais usada pelos peregrinos no Caminho de Santiago era “Ultreia” (vamos mais longe / vamos em frente) para a qual se respondia “Et Suseia” (e vamos mais alto / e vamos além).
Nos dias atuais, ainda que raramente, é possível escutar esta saudação-testemunho que chegou até nós – de voz em voz, passo a passo, ao longo dos séculos – com a força dos peregrinos medievais, para nos incentivar a seguir sempre em frente na busca da nossa elevação como seres em constante processo de construção.
O Caminho de Santiago é uma rota de encontro de pessoas dos mais diferentes lugares do mundo que, em geral, estão unidas pelo desejo humano – que supera limites territoriais, étnicos, linguísticos, religiosos e culturais – de encontrar propósito em sua jornada. Esta parece sempre ter sido a essência de uma peregrinação.
É neste contexto que Buen Camino assume na atualidade, para além de seu significado literal, o protagonismo dos encontros e um significado mais profundo, de quem também identifica no outro um buscador.
Buen Camino e seu paralelos interculturais
É como se fosse uma versão jacobina do “sawabona” – saudação comum em tribos da África do Sul – que expressa uma forma de enxergar o outro, de acolhê-lo e valorizá-lo pelo que ele é, e do “shikoba” – resposta dada – que significa, “então, eu existo para você!”. Desta forma, um se reconhece no outro.
Também é possível traçar um paralelo com o “namastê” – cumprimento tradicional do sul da Ásia – que reverencia no outro aquilo que os faz iguais.
Caminho bom é caminho compartilhado…
No decorrer da caminhada, ao ouvir estas duas palavras de extrema simplicidade e espontaneidade, somos convidados a abrir os olhos para a existência e presença do outro. “Buen Camino” passa, então, a ser um ato concreto de reconhecimento, de partilha, de encorajamento e de amizade entre os peregrinos, e nos lembra que, mesmo sendo difícil e desafiadora, nossa jornada pode e deve ser boa!
Mais que saudações, estas formas de cumprimento carregam algo de catártico, colocam luz sobre os interlocutores, são senhas que nos conectam com aquilo que nos une, apesar de todas as aparentes diferenças que poderiam ser usadas para nos separar.
Trilhar o Caminho de Santiago é sempre uma grande aventura que, definitivamente, vale o preço da entrada. Mas a aceitar o desafio que ele nos propõe, de nos desbravarmos internamente, é, sem dúvida, uma experiência que não tem preço!
¡Buen Camino!
“Sair de si mesmo para se unir aos outros é bom e essa experiência vai se construindo ao longo do caminho, os peregrinos fazem isso todos os dias, esperando-se, apoiando-se, compartilhando seus esforços e conquistas”
Papa Francisco, sobre a experiência do Caminho de Santiago de Compostela
MAIS SOBRE: O CAMINHO DE SANTIAGO COMO MEIO DE AUTOCONHECIMENTO
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