O dia de São João, San Xoán (em galego) ou San Juan (em espanhol) – é uma das festividades mais comemoradas na Península Ibérica e que acabou criando raízes na América Latina, em razão da colonização.
Embora associada ao cristianismo, a festa tem origens ancestrais e pagãs que correspondem ao antigo Festival de Solstício de Verão celebrado em uma das noites mais curtas do ano no hemisfério norte, a véspera de 24 de junho.
Nesta noite, acreditava-se que o véu que separa o mundo do além do nosso mundo torna-se mais fino e por isso as pessoas tinham que se proteger dos espíritos malígnos, do mau-olhado e da bruxaria. Para isso, as pessoas se reuniam ao redor de fogueiras festejavam a chegada da nova estação e realizavam rituais de proteção.
Os celtas (600 a.C. a 600 d.C) – povos surgidos a partir da evolução cultural de populações da Europa Central – já celebravam a chegada do solstício acendendo fogueiras, na busca das bênçãos que tanto desejavam.
Para a autora do livro Festas Juninas: Origens, Tradições e História, a socióloga Lucia Helena Vitalli Rangel “No hemisfério norte o solstício de verão era o auge do período ritual e do trabalho agrícola coroado pela colheita.” (…) “Eram rituais para que a colheita fosse farta e para abençoar o próximo período agrícola. Era período de congraçamento, de partilha e estabelecimento de alianças entre as comunidades. Eram rituais de fartura e abundância em todos os sentidos, no âmbito alimentar e na relação entre as famílias: casamentos, batizados e compadrio.”
Apropriação cristã
Assim como fez com inúmeras outras tradições pagãs, o cristianismo se apropriou do antigo festival e o deslocou para a figura de São João Batista (2 a.C – 28 d.C.). O dia 24 de junho passou a ser, então, o dia da celebração do nascimento do santo mais importante das comemorações juninas.
Para o antropólogo escocês James Frazer (1854-1941) “é importante notar que mesmo dentro do ciclo cristão, esses santos estão ligados tematicamente com aquelas mesmas ideias, os mesmos princípios das festividades das antigas civilizações”.
No caso das festas juninas, os santos estão ligados às forças e ciclos da natureza que estão representadas nas fogueiras, nos rituais e na fartura da mesa.
Símbolos & Rituais
Os símbolos básicos das festas de São João na Galícia constituem a essência do próprio festival.
Durante a celebração, eram muitos os rituais que deveriam ser cumpridos para usufruir de todos os benefícios que a noite mais mágica do ano oferecia. Muitos até hoje são praticados, mas em geral, como forma de preservação das tradições.
O fogo
O elemento principal da tradição de São João é o fogo. Conhecidas na Galiza como “cachelas” ou “cacharelas”, as fogueiras acesas não apenas para festejar e afastar os maus espíritos, mágoas e tristezas, mas também para grelhar a sardinha e para manter a temperatura agradável nas noites galegas, que ainda podem ser muito frescas no mês de junho.
A tradição manda que se pule sete vezes a fogueira para obter proteção e boa sorte. É na fogueira também que alguns queimam coisas das quais desejam se livrar, como parte de um ritual de purificação.
A água
O segundo elemento mais importante é a água, como simbolo de fertilidade e pureza.
Uma das tradições mais conhecidas é a do “facer o cacho“. Trata-se do ritual de encher um recipiente de água coletada em sete fontes diferentes e acrescentar folhas e flores de sete plantas. A mistura deve repousar durante toda a noite sob o orvalho. Na manhã seguinte, deve-se lavar o rosto com esta água. As ervas são então secas e usadas em remédios caseiros.
O banho de mar e o pulo das sete ondas também fazem parte dos rituais da noite de São João. Segundo a lenda, o ritual trás saúde para todo o ano.
As ervas
O terceiro elemento são as ervas, ou seja, plantas medicinais que devem ser colhidas ao longo do dia 23. As ervas variam de acordo com a região, mas devem ser sempre sete.
Segundo a crença elas protegem contra bruxas, espíritos malignos, mau-olhado, além de proteger contra doenças de pele.
- Helecho macho (Samambaia macho). Fento macho. Dryopteris filix-mas.
- Hinojo (Funcho). Fiuncho. Foeniculum vulgare.
- Hierba de San Juan (Erva de São João). Herba de San Xoán. Hypericum perforatum.
- Malva (Malva). Malva. Malva sylvestris.
- Herba luisa (Verbena). Herba luisa. Aloysia citriodora.
- Romero (Alecrim). Romeu. Rosmarinus officinalis.
- Xesta (Vassoura). Retama. Cytisus scoparius.
Comes & Bebes
As sardinhas grelhadas na brasa, sem dúvida, são as protagonistas nas mesas fartas de São João na Galícia. Comem-se com cachelos (batata cozida com casca) ou com pão, que pode ser broa (pão de milho) ou pão de trigo.
Quanto à bebida, a Queimada – a mais tradicional das bebidas galegas – é, indiscutivelmente, a grande estrela.
A bebida à base de orujo (grapa) – aguardente feito do bagaço da uva – grãos de café, açúcar e cascas de limão é preparada em panelas de barro esmaltado e servida em copinhos do mesmo material.
Enquanto a mistura é lentamente flambada, o “conxuro“– invocação mágica ou encantamento da queimada, que protege contra maus espíritos e bruxas – é recitado.
São João na Galícia
Embora as raízes da festa possam ultrapassar 2.500 anos de história, a celebração da noite de São João na Galícia é atual e animada. As pessoas se reúnem ao redor de uma fogueira para comer, beber e se divertir.
Em Santiago de Compostela, na manhã do dia 23 de junho, os moradores costumam comprar ervas no tradicional Mercado de Abastos da cidade e no fim da tarde as ruas da cidade já estão tomadas pelo cheiro de fumaça de “cacharelas”.
Ao anoitecer a maioria das pessoas se reúne na Zona Velha, onde tradição com modernidade se misturam. É uma noite especial, para sentar ao redor do fogo e celebrar com amigos, familiares e vizinhos uma tradição milenar.
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